
Envolto em atritos com a Colômbia e disposto a reduzir a dependência
dos Estados Unidos, Hugo Chávez provocou uma revolução nos negócios
internacionais da Venezuela em seus 13 anos de governo - e alguns empresários
brasileiros estão entre os que mais se beneficiaram desse processo.
O comércio também se multiplicou.
Em 1999, quando Chávez assumiu, as exportações brasileiras para o país eram de
US$ 536 milhões. Em 2012, saltaram para US$ 5 bilhões e, como as importações
são de apenas US$ 996 milhões, a Venezuela foi responsável pelo terceiro
superávit da balança comercial brasileira, só atrás da China e da Holanda
(porta de entrada de toda a Europa).
Entre as empresas brasileiras que
se animaram a investir no país estão a Gerdau, a Braskem, a Alcicla e o Grupo
Ultra. "Estamos vivendo uma onda de nacionalizações na Venezuela, menos
das brasileiras", chegou a dizer Chávez em 2009.
"A maior parte das
exportações brasileiras têm como destino o governo e as estatais venezuelanas e
aumentaram por questões políticas: havia uma preferência de Chávez pelo
comércio e projetos com o Brasil ou com outros parceiros não-tradicionais da
Venezuela (como China, Irã e Rússia)", diz Fernando Portela, da Câmara de
Comércio e Indústria Venezuelana-Brasileira, em Caracas.
José Augusto de Castro,
presidente da Associação de Exportadores Brasileiros (AEB), concorda.
"Houve uma reorientação de parte dos negócios da Venezuela de países como
a Colômbia para o Brasil por questões políticas - e isso não seria possível sem
apoio de Chávez."
A constatação, porém, levanta uma
dúvida: com o presidente venezuelano afastado do poder - e a perspectiva de que
possa não voltar para cumprir o mandato para o qual foi eleito em outubro -
como ficam os negócios bilionários do Brasil com a Venezuela?
Continuidade
Antes de viajar para Havana, em
dezembro, para passar por sua quarta cirurgia em decorrência de um câncer na
região pélvica, o líder venezuelano indicou o vice-presidente Nicolás Maduro
como seu sucessor.
Chávez não conseguiu voltar para
o país nem para a data marcada para sua posse, que foi adiada. E a oposição defende
que se não puder reassumir, seriam necessárias novas eleições.
Mesmo nesse cenário, porém, as
chances de uma vitória de Maduro são grandes, segundo analistas, em função da
comoção causada pela doença do presidente.
E um eventual governo Maduro
"representaria a continuidade das boas relações entre Venezuela e
Brasil", na opinião de Pedro Silva Barros, da missão do Instituto de
Pesquisas Avançadas (Ipea).
"Durante os seis anos em que
foi chanceler, Maduro construiu uma relação de confiança com os principais
interlocutores do governo brasileiro (Planalto, Itamaraty e outros ministérios)
e tem boa relação com os principais atores privados brasileiros que atuam na
Venezuela", diz Barros.
Castro e Portela concordam que
uma continuidade chavista seria o melhor cenário para os negócios brasileiros,
já que líderes opositores poderiam ser menos resistentes a uma reaproximação
com Estados Unidos e a Comunidade Andina de Nações (CAN), da qual Chávez
retirou a Venezuela em 2011.
Mas ressaltam que, no médio e
longo prazo, não é possível descartar uma volta ao poder da oposição ou até um
cenário de mudança de direcionamento no chavismo.
"Não pode ser descartada a
possibilidade de que um novo governo chavista no médio prazo seja mais
vulnerável a pressões de grupos internos ou dos que querem apostar mais nas
relações com a Colômbia, por exemplo", avalia Portela.
Mercosul
Em meio a essas incertezas,
segundo analistas, há a expectativa de que o Mercosul funcione como uma
garantia política e institucional para os negócios brasileiros.
"Os brasileiros não estão
tão interessados na redução das tarifas de importação para o mercado
venezuelano - até porque seu grande cliente é o governo, que não paga tarifas -
mas eles esperam que o avanço da incorporação plena da Venezuela ao bloco
funcione como um sinal político de que o Brasil continuará sendo prioridade
mesmo sem Chávez", diz o presidente da AEB.
Caracas foi oficialmente aceita
no Mercosul em agosto e, em dezembro, líderes da região se reuniram em Brasília
para estabelecer o cronograma para sua adequação às regras do bloco.
"Mas na Venezuela não houve
um processo amplo de consulta aos empresários privados sobre o tema, porque a
negociação está sendo determinada por interesses políticos", reclama
Roberto Bottome, editor do informativo VenEconomia, em Caracas.
Ficou definido que, a partir de
abril, a Venezuela adotará a mesma nomenclatura de produtos usada no Mercosul e
a Tarifa Externa Comum começará a ser aplicada para 28% de seus produtos.
Ainda falta avançar no cronograma
de temas como o estabelecimento do livre comércio com outros países do Mercosul
e a simplificação do trânsito de pessoas. Porém, no segundo semestre deste ano,
a Venezuela já assumirá pela primeira vez a presidência do Mercosul.
Portela preocupa-se com a
possibilidade de que as incertezas políticas no país vizinho atrasem esse
processo. Para Barros, não há motivos para preocupações - até porque o bloco é
visto como uma forma de o governo venezuelano ganhar legitimidade
internacional.
"A legitimidade
internacional do governo venezuelano tem dois importantes alicerces: o
Mercosul-Unasul, cuja maior expressão é o Brasil, e a Alba-Petrocaribe, com
Cuba como país-chave, e qualquer movimento político relevante levará em conta
essa sustentação", afirma Barros.
Petróleo
Além da questão política, porém,
um dos fatores que mais tem impacto sobre os negócios do Brasil com a Venezuela
são os preços do petróleo.
"Essa é a variável-chave
para se entender o comércio e os negócios com Caracas porque determina a
capacidade de pagamento do governo venezuelano", afirma Marcondes.
"Enquanto o valor do
petróleo continuar nesse patamar atual dos US$ 110, a Venezuela continuará a
ter recursos para investir e comprar produtos brasileiros", concorda
Castro.
As relações com o Brasil
começaram a avançar a passos rápidos em 2005, quando Chávez e Lula firmaram uma
aliança estratégica bilateral.
O setor privado brasileiro,
porém, começou a se interessar mais pelo processo quando o petróleo quebrou
seus recordes históricos, chegando a US$ 140 dólares em 2008.
Na época, os cofres do governo
venezuelano se rechearam de divisas, em um momento em que o setor produtivo do
país encolhia em função da instabilidade econômica e conflitos entre o governo
e elites econômicas.
Resultado: a Venezuela começou a
ter dólar de sobra para investir em parcerias ou pagar por importações, que
hoje respondem por cerca de 80% do que o país consome.
Na época, a agência Brasileira de
Desenvolvimento Industrial (ABDI) chegou a anunciar que empresários brasileiros
colaborariam em um projeto para construir 200 "fábricas socialistas".
E o BNDES prometeu mais de US$ 4 bilhões para projetos no país.
Revisões
Entre 2009 e 2010, alguns desses
planos de negócios foram revistos ou esvaziados, enquanto o petróleo caía para
US$ 40 e a Venezuela mergulhava em dois anos de crise.
A Braskem cancelou dois projetos
no valor de US$ 3,5 bilhões. O governo venezuelano acabou não colocando os
recursos que havia prometido na refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.
Várias "fábricas
socialistas" foram deixadas de lado, embora algumas parcerias tenham se
concretizado - entre elas uma fábrica de geradores e outra de processamento de
alimentos entregues pela Fundação Certi, de Santa Catarina.
Ainda assim, o governo brasileiro
continuou a avançar em projetos bilaterais, com a participação de instituições
como a Caixa Econômica Federal (que apoia a versão local do Minha Casa, Minha
Vida) e a Embrapa.
Agora, com a volta do petróleo ao
patamar dos US$ 100, há quem veja as relações com bastante otimismo.
"Os projetos executados por
empresas brasileiras têm aumentado na Venezuela", diz Barros. "Há
muitos projetos novos, de menos de dois anos: termelétricas, projetos de
produção de etanol de cana-de-açúcar e uma hidrelétrica."
Chávez e a presidente Dilma
Rousseff se comprometeram a integrar o sul da Venezuela e a região amazônica
brasileira, e uma proposta de agenda para esse projeto seria apresentada em
junho, segundo Barros. Marcondes espera que o comércio
dobre em cinco anos.
Para Portela, porém, o problema é
que mesmo se as trocas comerciais crescerem, será difícil que o governo
brasileiro consiga mitigar as suas desigualdades.
"As importações venezuelanas
para o Brasil ainda são muito baixas", diz Portela. "Mas, para que os
empresários do país sejam convencidos do benefício da integração, mais além de
qualquer afinidade política entre governos, o ideal seria que o comércio fosse
mais equilibrado - e, sem isso, é possível que a integração via Mercosul
encontre sérias dificuldades no médio prazo."
Fonte: BBC Brasil
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