segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Baía de Todos os Santos: A origem do Kirimurê.

Elevador-Lacerda
Entender o processo de formação da Baía de Todos os Santos é fundamental para conhecer melhor as particularidades desta imensa formação natural.
Não se pode falar sobre Salvador sem mencionar a baía de Todos os Santos. A grande porção de água salgada está presente na memória de muitas pessoas que vivem e convivem com esta tão importante formação costeira. Em todo recôncavo baiano, desde os mais jovens até os mais antigos contemplam a plenitude de sua presença. As histórias sobre os mistérios de suas águas são transmitidas de geração a geração. Para muitos, a Baía de Todos os Santos sempre existiu. Mas nem sempre foi assim. Não do ponto de vista do tempo geológico.
É difícil imaginar, mas o kirimurê (“grande mar interior”, assim chamado a baía pelos índios tupinambá) é uma formação recente. Com aproximadamente 9000 anos, a baía sofreu várias alterações em sua fisionomia, até chegar ao formato que nós conhecemos. Porém, o processo de sua formação teve início há períodos muitos mais longínquos: cerca de 180 milhões anos atrás. Para entender melhor este processo, acompanhe um pouco a evolução geológica que originou esta grande feição natural.
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Mapa mostrando os contornos da BTS

O início de uma grande mudança

Há 180 milhões de anos, a Baía de Todos os Santos nunca existiu. Nem o oceano atlântico, pois tanto a América do Sul quanto a África estavam unidos a um super continente. Neste período, os movimentos orogenéticos atuavam constantemente na zona limítrofe entre o que futuramente será a costa brasileira e a costa africana. E é exatamente por ali que se passa uma grande falha tectônica - a futura falha Meso-oceânica - responsável pelo movimento divergente entre as grandes placas, brasileira e africana. Logo, o movimento divergente ocorrido neste processo será responsável pela separação e afastamento da América Latina com a África.
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Localização da depressão Afro-brasileira
Figura 1 Reconstrução paleogeológica da Depressão Afro-Brasileira, no final do Jurássico (há cerca de 180 milhões de anos) Os contornos contínuos correspondem aos contornos do continente africano e da América do Sul. FONTE: GERMEN, 1997
Numa área compreendida entre os futuros Estados do Rio de Janeiro e Pernambuco, uma estreita e alongada depressão se formou. Esta é a chamada Depressão Afro-brasileira, responsável pelo começo da formação de um grande Rift que dará origem ao Oceano Atlântico. À medida que o Rift foi prolongando o seu tamanho, algumas ramificações foram formadas. Isto aconteceu porque a separação originada pelo processo de rifteamento não se desenvolve em formato retilíneo, mas sim como grande rasgo no qual suas extremidades vão sendo comprometidas pela força assim provocada.
Uma dessas ramificações é justamente aquela que formará a Baía de Todos os Santos. Este grande braço possui uma grande extensão que vai desde a região de Salvador até as intermediações de Pernambuco. De acordo com estudiosos, este pequeno Rift teve a sua evolução abortada. Se caso continuasse, hoje teríamos um pequeno continente de formato triangular, formado pelo nordeste da Bahia e os Estados de Sergipe e Alagoas.
Há cerca de 150 milhões de anos, um extenso sistema de depressões foi formado. Seus limites podem ser facilmente observados nos dias de hoje. Eles são correspondidos pela falha geológica de Salvador e pela falha de Maragojipe, ambas bem evidentes na paisagem do recôncavo baiano. Aos poucos estas depressões foram sendo preenchidas por sedimentos oriundo dos diversos rios existentes. E assim, as bacias sedimentares do Recôncavo, do Tucano e do Jatobá foram constituídas.
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Mapa de localização das bacias do recôncavoTucano e Jatobá.

Um longo período de transformações

As informações que remontam os acontecimentos ocorridos ao longo dos 150 milhões de anos são escassas. Sabe-se que a área que constitui bacia do recôncavo e parte da Baía de Todos os Santos abrigava um extenso lago. As variadas oscilações do nível do mar associados às constantes modificações do relevo por agentes externos e internos proporcionaram grandes transformações nesta área, ora inundada pelo oceano, ora fazendo parte do continente.
Saindo da escala dos milhões e indo para escala dos milhares de anos, as glaciações foram muito influentes na configuração geográfica de todo o planeta. As eras glaciais e as suas interglacações promoveram o aumento e a diminuição do nível do mar. Há 120 mil anos atrás, o nível das águas oceânicas estava 8 metros acima do atual devido a um período de interglacial. Isto quer dizer, por exemplo, que a ilha de Itaparica seria apenas um pequeno grupo de Ilhas. Em Salvador, as áreas mais rebaixadas, como é o caso dos bairros da Pituba, Itapuã, Armação, Boca do Rio, etc., estariam submersos.
Há 17 mil anos, uma era glacial foi responsável pelo rebaixamento do mar para 100 metros abaixo do atual. Desta forma, toda área da Baía de Todos os Santos estaria seca. As atuais ilhas, portanto, não passariam de áreas elevadas e os rios depositariam suas águas no oceano atlântico. O nível do mar só voltariam a subir num período compreendido entre 16 e 5 mil anos. E é por volta deste período que aos poucos foi se formando a grandiosa Baía de Todos os Santos, presentes até os dias de hoje.
Com todas estas transformações, o que será da Baía de Todos os Santos a partir de agora? Esta resposta é bem difícil de responder, pois as modificações naturais que ocorrem são bastante lentas. Mesmo assim, devemos nos preocupar com um importante agente transformador da paisagem: o homem. Devemos estar cientes daquilo que somos capazes de fazer impactando o meio ambiente. Para isso, o conhecimento e a conscientização são fundamentais. Portanto, só assim podemos preservar as belezas e os encantos naturais deste importante mar de água salgada que atrai milhares de pessoas do mundo todo.
Referências
CIRANO, Mauro; LESSA, Guilherme C. Oceanographic characteristics of Baía de Todos os Santos, Brazil. Rev. Bras. Geof., Dec 2007, vol.25, no.4, p.363-387. ISSN 0102-261X.
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. Instituto Kirimurê Baía de Todos os Santos. Disponível em: http://www.btsinstitutokirimure.ufba.br/. Acesso em: 05/02/2012.
GERMEM. (Org.). Baía de Todos os Santos, Diagnóstico Sócio-ambiental e Subsídio para Gestão. 01 ed. Salvador, Bahia: GERMEM – UFBA, 1997, v. 01
Bruno Cardoso S. M. Silva



















2 comentários:

  1. Muito boa essa matéria. Estás de parabéns.Só uma pequena correção, meio técnica eu sei, mas tem muito a acrescentar. O processo responsável pela quebra do gondwana foi a tafrogênese e não orogênico como afirma o texto;o processo conhecido como orogênese está relacionado com a formação de orógenos( montanhas) e a tafrogênese está ligada à quebra de massas continetais.Portanto o termo correto seria tafrogênese.
    Muito boa essa sua iniciativa Bruno Man, essa garotada precisa aprender mais sobre a nossa geologia.
    Uma observação de seu colega geofísico.

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    1. Uma ótima observação. Com certeza a garotada precisa. Ainda mais se for um conhecimento sobre a região em que eles vivem e vivenciam.

      Abraços!

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